Desenraizamento e a busca por pertencimento na imigração
Você já se sentiu deslocada, como se não tivesse mais um lugar onde se encaixa por inteiro? Esse sentimento, comum entre brasileiras que imigraram, é mais profundo do que a simples saudade ou a dificuldade de adaptação. É o desenraizamento emocional na imigração, uma vivência existencial que ultrapassa o espaço físico e atinge quem somos, como nos percebemos e como nos conectamos com o mundo. E é justamente nesse vácuo que nasce a busca por pertencimento — um movimento essencial para reconstruir sentido em meio à experiência migratória.
O que significa estar desenraizada?
O termo “desenraizamento” evoca a imagem de uma árvore sendo retirada de seu solo original. Da mesma forma, ao imigrar, perdemos a referência do ambiente que nos nutria — culturalmente, afetivamente e até existencialmente. Viktor Frankl, em Em Busca de Sentido, fala sobre o “vazio existencial” como um convite à reflexão sobre o sentido da vida diante das circunstâncias adversas. A imigração, muitas vezes, nos coloca nesse estado de suspensão: já não somos quem éramos, mas ainda não sabemos quem estamos nos tornando.
E é nesse espaço de incerteza que surge a pergunta: “Afinal, onde é o meu lugar?”
Desenraizar-se não é apenas mudar de endereço ou adaptar-se a outro idioma. É como se algo dentro de nós tivesse sido arrancado do solo conhecido, daquilo que sustentava nossa identidade. Carl Rogers, ao falar sobre tornar-se pessoa, destaca que somos seres em constante transformação, e que os processos de mudança profunda exigem tempo, escuta e aceitação.
Na imigração, porém, muitas vezes somos empurradas para transformações abruptas, sem tempo para processar as perdas. Deixamos para trás não apenas lugares, mas vínculos afetivos, rituais culturais, referências de pertencimento e até parte de nossa história. Surge, então, uma sensação de suspensão, como se estivéssemos “entre mundos”, sem raízes firmes em nenhum deles.
Desenraizamento emocional na imigração: perdas que não se veem
Ao imigrar, vivemos uma série de lutos invisíveis. A perda do contato cotidiano com a família, dos cheiros e sabores da infância, da linguagem compartilhada. Rollo May, em Freedom and Destiny, descreve como a liberdade de escolha está sempre entrelaçada com as consequências de nossas decisões. A liberdade de buscar uma vida nova vem acompanhada do peso de tudo o que deixamos para trás. Muitas vezes, porém, a angústia e a culpa por ter “escolhido sair” nos impedem de acolher o luto que sentimos.
Essa dor precisa de espaço. Validar o luto do desenraizamento emocional na imigração é um passo essencial para resgatar o próprio sentido de existir nesse novo contexto.
O pertencimento como necessidade humana
A busca por pertencimento é uma das necessidades humanas mais profundas. Sentir-se pertencente é reconhecer-se como parte de algo — uma comunidade, uma cultura, um grupo — e, ao mesmo tempo, ser reconhecida e aceita. Viktor Frankl, em Em busca de sentido, observa que, mesmo em contextos extremos, como os campos de concentração, o ser humano pode encontrar sentido na vida por meio dos vínculos e do amor.
Na imigração, a sensação de não pertencer pode ser devastadora, pois coloca em xeque nossa identidade. Quem sou eu longe do meu país? Qual é meu lugar no mundo agora? Essas perguntas não têm respostas prontas, mas nos convidam a um mergulho em nós mesmas, na direção do autoconhecimento. No post sobre preparação emocional para a imigração, exploramos como esse cuidado com a própria história pode ajudar a atravessar os desafios emocionais do recomeço.
Entre mundos: a teoria da aculturação e a reconstrução identitária
A psicologia intercultural nos mostra que a adaptação envolve não apenas aprender uma nova língua ou se inserir no mercado de trabalho. Trata-se também de um processo de reconstrução identitária. John Berry, em sua teoria da aculturação, descreve como o imigrante vive uma tensão constante entre manter sua cultura de origem e integrar-se à nova .
Esse processo pode gerar o que Irvin Yalom chama de “isolamento existencial” — a percepção de que, no fundo, estamos sós em nossas vivências mais profundas, especialmente quando não encontramos espelhos nos outros . A sensação de não se encaixar, de ser uma “estrangeira” em todos os lugares, pode ser sufocante, levando à armadilha do “encaixe forçado”.
A armadilha do “encaixe forçado”
Na busca por pertencimento, muitas mulheres tentam se adaptar rapidamente ao novo país, buscando se “encaixar” a qualquer custo. Isso pode significar silenciar a própria cultura, esconder a saudade, adotar hábitos locais apenas para se sentir aceita. Contudo, como alerta Carl Rogers, qualquer processo de crescimento que desconsidera a autenticidade gera sofrimento. O autor também nos lembra que todo crescimento pessoal é um processo que não pode acontecer sob pressão externa, mas sim partir de uma escuta interna, autêntica e compassiva.
Pertencer, nesse contexto, não significa se encaixar a qualquer custo, apagando quem se é. Pelo contrário: envolve integrar as diferentes partes da nossa história, incluindo o luto pela terra natal, os valores que carregamos e os sonhos que nos trouxeram até aqui. A tentativa de “ser aceita”sem ser vista pode aprofundar o sentimento de solidão e de vazio, e, portanto, é fundamental que o pertencimento não se torne um “moldar-se ao outro”.
Construindo um lar dentro de si
Se o pertencimento externo — a sensação de fazer parte de um grupo, cultura ou comunidade — pode demorar a acontecer, o pertencimento interno pode ser cultivado. Mas como? Começando pela aceitação radical de sua história e das emoções que surgem nesse percurso. Acolher a tristeza, a raiva, a culpa e até a ambivalência é um ato de coragem.
Como diz Frankl, “tudo pode ser tirado de um homem, menos uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude diante das circunstâncias”. Escolher olhar para si com empatia, em vez de julgamento, é um primeiro passo para criar raízes internas.
Carl Rogers propõe que quando nos aceitamos profundamente, abrimos espaço para uma transformação genuína e para o florescimento do nosso potencial humano.
Esse pertencimento interno não depende de validação externa. Ele se constrói no cotidiano, nos pequenos rituais, nos vínculos significativos, na escuta dos próprios desejos. Pode estar presente em um chá que remete à infância, em uma conversa com uma amiga que compreende sua trajetória, em uma oração, quando isso faz sentido para você, ou numa caminhada que te reconecta consigo mesma.
Conexão humana: o antídoto para o desenraizamento emocional na imigração
Embora o pertencimento comece em nós, ele também se alimenta da conexão com o outro. Compartilhar sua história, ser escutada sem julgamentos, encontrar quem valide suas emoções — tudo isso fortalece suas raízes internas. Irvin Yalom fala sobre como a relação terapêutica, ao oferecer um espaço seguro, pode ser um poderoso caminho para curar a sensação de isolamento existencial .
Além da terapia, grupos de apoio, redes de imigrantes e espaços culturais podem ser fontes de acolhimento. Permita-se buscar apoio. Você não precisa atravessar essa jornada sozinha.
Sentido e pertencimento: dois caminhos que se encontram
Pertencer e viver com sentido são experiências interligadas. Frankl nos lembra que podemos suportar qualquer dor, desde que ela tenha um significado. Encontrar sentido na imigração pode passar por diversos caminhos: realizar um sonho, oferecer melhores oportunidades aos filhos, viver uma experiência de crescimento pessoal, desenvolver novos talentos.
No entanto, esse sentido não é dado. Ele é construído a partir da escolha consciente de olhar para sua jornada com compaixão. O pertencimento, nesse contexto, deixa de ser uma busca externa e se torna uma vivência interna, um estado de presença e aceitação.
Imigrar é, paradoxalmente, um ato de enraizamento — não no solo externo, mas no compromisso com a própria história. Ao escolher partir, você já escolheu seguir um chamado interno. Ao escolher permanecer e criar uma nova vida, está cultivando raízes invisíveis, porém potentes.
Reflexões para cultivar pertencimento:
- Quais elementos da sua cultura te conectam consigo mesma? Como trazê-los para sua vida atual?
- O que significa, para você, “sentir-se em casa”? Quais pequenos gestos podem te aproximar disso?
- Que vínculos você pode nutrir hoje para se sentir mais conectada e acolhida?